quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Indignem-se!

A estória poderia começar na França, em dezembro de 2010, com um grito lançado por um velho homem. Indignez-vous! é o título de um livro fininho, de menos de 30 páginas, que em poucas semanas tornou-se um best-seller. Seu autor, Stéphane Hessel, aos 93 anos de idade, apresenta e analisa os momentos da sua vida que marcaram seu engajamento político. E deixa uma sábia e profunda reflexão sobre o mundo de hoje, com uma mensagem para construção do mundo de amanhã: não perder a capacidade da indignação...

Stéphane Hessel foi membro do Conselho Nacional da Resistência francesa, foi preso pelos nazistas, torturado e escapou duas vezes dos campos de concentração. Foi co-redator do programa de reconstrução nacional da França após a Segunda Guerra Mundial, e principalmente da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948. Olhando para o mundo de hoje, Hessel percebe que as conquistas sociais e os valores que caracterizaram o período de construção política pós-guerra estão ameaçados. Lembrando Sartre que defende que os homens são responsáveis enquanto indivíduos e não devem transferir essa responsabilidade para nenhum poder acima ou para nenhum deus, ele conclama as novas gerações a expressar sua indignação.

“Vocês não têm as mesmas razões óbvias de engajamento” reconhece. “Para nós resistir era não aceitar a ocupação alemã, a derrota. Era relativamente simples. Simples como o que veio depois, a descolonização...” E observa: “Minha longa vida me deu uma sucessão de motivos para me indignar.” Mas o mundo de hoje, de fato, é mais complexo, dominado pelas interconexões e interdependências. “Tornou-se mais difícil entender as forças que nos governam” acrescenta Hessel. Mesmo assim, são muitas questões que se tornaram insuportáveis, muitas razões que justificam hoje nossa reação: as desigualdades crescentes entre os mais ricos e os mais pobres, as violações frequentes dos direitos humanos, a supremacia do poder financeiro, a decadência do planeta...

Hessel condena a indiferença, “a pior das atitudes”, enaltece a organização dos cidadãos e expressa sua satisfação em constatar o fortalecimento de movimentos sociais e de ONGs nas últimas décadas. Para ele, o melhor caminho da resistência é a não-violência, mesmo reconhecendo que o uso da violência às vezes é um meio para fazer cessar a própria violência. “É preciso entender que a violência vira as costas para esperança.” Conclui pregando uma insurreição pacífica contra o modelo produtivista do capitalismo ocidental, contra os meios de comunicação de massa e seus valores, e a favor da ética, da justiça e da sustentabilidade do planeta. E encerra: “Criar é resistir. Resistir é criar.”

A estória poderia encerrar aqui, se não fosse o próprio curso da História. A semente de indignação plantada por Hessel encontrou muito ouvidos, começando pelos jovens. Muitos deles não chegaram a ler o seu livro, mas as palavras do velho guerreiro incentivaram, sintetizaram e profetizaram uma onda de levantes populares em muitas regiões do planeta.

A primavera do mundo árabe deixou eclodir movimentos revolucionários que já conseguiram derrotar três ditaduras: na Tunísia, no Egito e na Líbia. Na Espanha, movimentos que se auto-denominaram de “Indignados” surgiram em maio. Assim como seus vizinhos árabes, fazem amplo uso da internet e de redes sociais e ocupam as praças. Denunciam a falta de acesso ao mercado de trabalho, a corrupção e expressam sua descrença no sistema de democracia parlamentar e nos partidos. Repudiam a influência do poder financeiro nas políticas, e reivindicam uma democracia mais direta e o acesso a direitos.

E o vento levou a semente ainda para outros países: Islândia, Grécia, Inglaterra e mais recentemente o Chile... E o Brasil? Seguirá o mesmo caminho? Já existem muitos motivos e muita gente indignada... Quem sabe se o Rio de Janeiro, para onde está prevista a Cúpula dos Povos Rio+20 em junho de 2012, não se torne o palco da união e da indignação dos povos... Nós veremos lá!


Damien Hazard
Economista, coordenador da ONG Vida Brasil e diretor executivo da Associação Brasileira de ONGs (ABONG)

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