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O Direito à educação é um direito fundamental previsto na Constituição Federal e enfatizado pelo ECA, Estatuto da Criança e do Adolescente, desde 1990.
O Direito à educação é um direito fundamental previsto na Constituição Federal e enfatizado pelo ECA, Estatuto da Criança e do Adolescente, desde 1990.
Mais do que simplesmente instrução e alfabetização, o acesso à educação de qualidade é um portal para a cidadania plena e a inclusão social em muitos níveis.
Extremamente importante na formação e desenvolvimento de qualquer criança e jovem como caminho para a construção de seu futuro, a educação se faz ainda mais fundamental quando se trata de adolescentes em conflito com a lei, que hoje cumprem algum tipo de medida socioeducativa.
Nesse contexto, educar torna-se sinônimo de ressocializar e reinserir. No âmbito da internação ou mesmo no cumprimento de outros tipos de medida socioeducativa, como as em meio aberto, por exemplo, a educação assume um papel ainda mais relevante para os que agora precisam reaprender conceitos e redesenhar suas perspectivas.
O projeto político-pedagógico do sistema socioeducativo nos moldes atuais, sobretudo no que diz respeito à medida de internação, não vem cumprindo seu papel, tampouco tem sido capaz de executar a legislação da maneira em que esta é prevista pelo ECA. Diante desse cenário, a garantia de uma educação de qualidade na esfera do sistema socioeducativo torna-se um desafio particularmente complexo, mas ao mesmo tempo urgente a ser enfrentado.
O ECA – Teoria e Prática
O Estatuto da Criança e do Adolescente é taxativo: é obrigatório o oferecimento de escolarização para os jovens que estejam cumprindo medida socioeducativa.
Ou seja, para o ECA, a aplicação dessas medidas deve ter natureza essencialmente pedagógica, respeitando, efetivamente, sua nomenclatura.
Mas, embora o ECA seja bem claro nessa sua determinação, ainda há divergências entre o que prevê a lei e o que se executa na prática. Em seus 17 anos de existência, o Estatuto ainda não foi implementado e nem mesmo é cumprido em sua plenitude, e no campo da educação o cenário não é diferente.
Para a subsecretária de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República, Carmen Oliveira, assim como determina o ECA, a escola deve ser a base desse atendimento. “A escola é prioritária no atendimento socioeducativo. Isto porque a grande maioria dos adolescentes que cumprem essas medidas apresenta baixa escolaridade, em um cenário de trabalho cada vez mais exigente e competitivo”, afirma.
Dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), de 2002, mostram que, embora 92% da população de 12 a 17 anos estejam matriculadas, 5,4% ainda são analfabetos. Na faixa etária de 15 a 17 anos, 80% dos adolescentes freqüentam a escola, mas somente 40% estão no nível correspondente a sua faixa etária, e somente 11% dos adolescentes entre 14 e 15 anos concluíram o Ensino Fundamental. Na faixa de 15 a 19 anos, diferentemente da faixa etária dos 7 a 14 anos, a escolarização diminui à medida que aumenta a idade. Dados de 2004 mostram ainda que a escolarização bruta de jovens de 15 a 17 anos é de 81,1%, caindo significativamente para 51,4% quando a faixa etária de referência é de 18 a 19 anos.
Os números são ainda mais preocupantes quando se trata da escolaridade dos adolescentes internos. Entre os jovens em regime de internação, 90%, mesmo em idade compatível ao Ensino Médio, não chegaram a concluir nem mesmo o Ensino Fundamental. “São adolescentes excluídos da chamada sociedade do conhecimento”, afirma Carmen.
Um bom nível de escolaridade aumenta as chances de uma boa profissão, de boas colocações no mercado de trabalho, acesso ao consumo, conseqüente respeito perante a sociedade e formação de cidadania. Mas para esses excluídos do saber, todas essas possibilidades podem ficar mais difíceis de serem atingidas.
E onde faltam perspectivas e oportunidades, sobram motivos e incentivos para aproximação com a violência.
Uma pesquisa da UNESCO Mapa da Violência: Os Jovens do Brasil apresenta dados preocupantes, que colocam o Brasil no quinto lugar em um ranking mundial de taxas de óbito por violência conjunta (acidentes de transporte, suicídios, homicídios e outras violências), entre jovens de 15 a 24 anos. O Brasil aparece abaixo apenas de Colômbia, Rússia, Venezuela e Estônia e logo acima dos Estados Unidos, que ocupam o sexto lugar.
Por meio da pesquisa, observa-se que diversos fatores influenciam essa colocação, entre eles estão: as crescentes dificuldades de inserção no mundo do trabalho, os problemas da escolarização e do preparo profissional e a falta de perspectivas.
E se o papel preventivo da escola não teve êxito pela sua precariedade e desigualdade de atendimento, é inadmissível, ainda que seja real, que essa falha se repita num momento de reabilitação.
“Atualmente há inúmeras falhas nas escolas das unidades de internação: as salas são inadequadas, o material didático é praticamente inexistente, falta biblioteca e acesso a Internet, os professores são mal remunerados e não existem programas de formação continuada. Sem contar que a própria metodologia de ensino não é qualificada para atender esse segmento”, explica Carmen.
Para os adolescentes que cumprem medidas em semiliberdade ou liberdade assistida, a estrutura das escolas repete as mesmas deficiências, assim como a ausência de um projeto que atenda às especificidades do universo da internação como aponta a secretária.
O ambiente dos estabelecimentos de internação não tem se mostrado eficientes na sua tarefa de ressocializar os jovens e são, em sua grande maioria, espaços onde a sociabilidade se dá em termos ainda mais violentos.
Atividades escolares, de esporte, de lazer e até mesmo profissionalizantes, em um ambiente estruturado e bem abastecido de materiais e profissionais competentes são fundamentais para a ressocialização desse jovem, pelas oportunidades de reinserção que elas podem oferecer e ainda pela possibilidade de atuar como possível antídoto para a reincidência.
No entanto, para que o sistema educacional exerça esse trabalho com os adolescentes que cumprem medidas socioeducativas, é preciso que na prática ele seja aplicado de forma coerente e apropriado ao contexto em que esses jovens estão inseridos nesse momento particular da sua trajetória de vida.
É necessária a construção de um projeto político pedagógico específico que respeite e contemple, entre outras coisas, o tipo de medida designada, o número de adolescentes que a estão cumprindo, as diversidades étnico-culturais dos adolescentes, suas limitações e dificuldades, entre outras particularidades.
“O MEC prevê a construção de uma metodologia específica, a partir de experiências piloto, nas unidades de internação das capitais brasileiras, onde se concentra a maior parte dos internos. Pretende-se também equipar as escolas das unidades com bibliotecas e oportunizar a inclusão digital, em parceria com o Ministério da Cultura”, explica.
SINASE
A Secretaria Especial dos Direitos Humanos (SEDH), por meio da Subsecretaria Especial de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente (SPDCA), em conjunto com o Conanda, Conselho Nacional dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes e com o apoio do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), organizaram a proposta do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo, o SINASE, que está sendo implementado desde sua aprovação, em julho de 2006.
O processo de construção do SINASE concentrou-se especialmente num tema que tem mobilizado a opinião pública, a mídia e diversos segmentos da sociedade brasileira: o que deve ser feito no enfrentamento de situações de violência que envolvem adolescentes enquanto autores de ato infracional ou vítimas de violação de direitos no cumprimento de medidas socioeducativas?
O SINASE é um conjunto de princípios, regras e critérios, que abragem o caráter jurídico, político, pedagógico, financeiro e administrativo, que envolve desde o processo de apuração de ato infracional até a execução de medida socioeducativa, com a participação do Governo Federal, governos estaduais e municipais.
O Sistema recupera as normas do ECA, muitas vezes esquecidas, na priorização do meio aberto, isto é, medidas como a prestação de serviços e liberdade assistida em detrimento da internação. Também estabelece uma maior coordenação entre União, estados e municípios, institui práticas de controle social nas políticas e nas execução das medidas de recuperação e obriga a garantia da educação para os adolescentes nas unidades.
O SINASE estabelece parâmetros de atendimento, com ênfase nas ações de educação, saúde e profissionalização, indicando como devem ser as equipes interdisciplinares e a estrutura de unidades de internação. Busca, ainda, a idéia dos alinhamentos conceitual, estratégico e operacional, estruturado, principalmente, em bases éticas e pedagógicas.
Desde sua implantação, destaca-se o edital 2007 SEDH/CONANDA, onde foram previstas linhas de financiamento para: a municipalização das medidas em meio aberto nas capitais, constituição de centros de formação socioeducativa, apoio a seminários estaduais, realização de pesquisas, construção e reforma de unidades, reforma e equipagem de ambulatórios de saúde, entre outras atividades.
São grandes avanços para o real cumprimento do que determina o ECA no atendimento socioeducativo. Mas há ainda muitas barreiras para a consolidação de todos os direitos previstos para esses adolescentes.
A subsecretária da SEDH prevê três grandes desafios. “Primeiro: precisamos construir o necessário pacto federativo, que inclua os compromissos dos diferentes níveis de governo, incluindo o Legislativo e o Judiciário. O SINASE apenas determinou as responsabilidades e competências, mas não detalhou, por exemplo, os percentuais de investimento. Segundo: precisamos desmontar o chamado ‘modelo FEBEM’, ainda tão forte nas instituições, mesmo as mais recentes. E por último, destaco a necessidade de mobilizar as comunidades e a opinião pública no sentido da reversão de uma cultura punitiva em favor de políticas inclusivas de atendimento ao adolescente em conflito com a lei”, acredita Carmen. “É preciso uma mudança estrutural que desloque esse adolescente de problema à prioridade social”, conclui.
Escola de Passagem: um exemplo de que mudar é possível
Como se pode observar são inúmeros os desafios e grande a importância das escolas, em várias frentes, na formação e preparação dos jovens, sobretudo quando falamos do universo das medidas socioeducativas.
Uma medida bem executada, em meio fechado ou aberto, pode produzir novos cenários a esses adolescentes e até mesmo a suas famílias.
Um exemplo bem-sucedido do protagonismo da escola na aplicação de medidas socioeducativas é o projeto “Escola de Passagem” realizado no CEDEDICA, Centro de Defesa da Criança e do Adolescente do município de Santo Ângelo, no Rio Grande do Sul.
Iniciado em 2002, o projeto atende a adolescentes que cumprem medidas socioeducativas em meio aberto. O “Escola de Passagem” tem o objetivo de reinserir os adolescentes que estão fora da escola formal ou em defasagem de idade e de série. “Essa defasagem escolar ainda existe, porém alguns adolescentes conseguem superar suas limitações, dificuldades e a exclusão que são expostos. Buscam seu espaço na sociedade por meio do ingresso no mercado de trabalho e no retorno à escola formal. Com isso, conseguem se reconhecer como indivíduo dotado de memória, com uma história, zelando por si e pelos outros, pelas suas coisas e pelas coisas dos outros.”, acredita a psicopedagoga e coordenadora do projeto, Daise Renata Noronha de Almeida.
As aulas são ministradas no próprio CEDEDICA, em um espaço que foi construído e organizado pelos próprios adolescentes. O “Escola de Passagem” está vinculado à Escola Municipal de Ensino Fundamental Mathilde Ribas Martins.
O aproveitamento escolar dos alunos é realizado através de: pareceres pedagógicos, observação e seguimento das regras de conduta estabelecidas pelo grupo; freqüência escolar; demonstração de atitudes positivas dentro da instituição e perante a família e a sociedade e participação nas atividades propostas. As avaliações são realizadas a cada trimestre pelos professores, equipe técnica e coordenação das medidas socioeducativas e encaminhadas à escola Mathilde Ribas Martins.
O projeto realiza ainda uma nova proposta pedagógica, onde a escola trabalha com uma metodologia de ensino mais atrativa, na qual a ação preventiva é prioridade. “Nossa proposta pedagógica busca trabalhar conteúdos reais, significativos para os adolescentes em medida socioeducativa em meio aberto. Nessa proposta o conhecimento de mundo do aluno é levado em conta para que se possam resgatar os valores morais e éticos, orientando sempre a discussão e os trabalhos para a valorização do fortalecimento das virtudes de cada um”, explica Daise.
No espaço pedagógico da escola, os adolescentes de 1ª a 6ª série recebem uma educação informal que possa garantir a inclusão escolar e social, e o acesso a uma educação diferenciada e de qualidade. Além disso, o “Escola de Passagem” busca desenvolver os aspectos cognitivos, emocional e afetivo, de acordo com as necessidades individuais.
Além da grade curricular convencional das respectivas séries que os adolescentes estejam cursando, outras atividades também são ministradas aos jovens. “São oferecidas oficinas de teatro, informática, esporte (futsal), violão, xadrez, reforço escolar, grupo psicoterapêutico e cursos como os de: eletricista predial; jardinagem; reciclagem (garrafa pet); meio ambiente e ética; desenho (caricatura) e pintura em tela, além do desenvolvimento de projetos pedagógicos direcionados à realidade dos alunos com releitura de obras (grafitagem); coletânea de poesias, textos, histórias; exposição de trabalhos (varal de poesias, pintura em tela) realizado no Centro Municipal de Cultura e viagens de estudo e de lazer”, afirma.
Ainda segundo a coordenadora, as aulas são desenvolvidas através do trabalho com conteúdos significativos e contextualizados. Outra estratégia de “ensino-aprendizagem” são os trabalhos em grupo onde o aluno exerce o papel de sujeito do processo, com postura crítica onde o professor é o mediador do conhecimento. “Com esta proposta almejamos agir preventivamente na reincidência ao ato infracional que está na maioria dos casos, instaurado no núcleo familiar. Por isso, o CEDEDICA também oferece aos familiares dos alunos alternativas de inclusão e ressocialização como: a escolinha de esportes (para irmãos, primos, tios, sobrinhos); a cooperativa de mães (para mães, tias, avós, primas); cooperativa florir (para os adolescentes em cumprimento da medida, como alternativa de profissionalização e geração de renda); atendimento individualizado de psicologia, psicopedagogia e enfermagem. Com estas ações a ONG atende diretamente cerca de 400 pessoas ao mês”, acrescenta a coordenadora.
Agregado aos demais projetos do CEDEDICA, o “Escola de Passagem” proporciona um espaço prazeroso de aprendizagem, um ambiente de inclusão e de ressocialização, que vise à reinserção social desses adolescentes. Respeitando-os, valorizando-os e, acima de tudo, auxiliando-os no resgate de suas perspectivas e de sua cidadania. “Na aplicação de medidas socioeducativas, o papel da escola é de orientar o aluno na redescoberta de seus valores, direitos e deveres, trabalhando em forma de projetos significativos para sua vida e elevando sua auto-estima”, conclui Daise.
Com esse trabalho, o “Escola de Passagem” se torna um exemplo de como a educação pode reescrever a história desses adolescentes e ratifica a lição de Paulo Freire, de que ensinar exige a convicção de que a mudança é possível.
Fonte: Pro-Menino
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