sexta-feira, 13 de abril de 2012

SOCIEDADE CIVIL OU SERVIL?

Com a chegada da esquerda brasileira ao poder, sobretudo após a primeira eleição de Luiz Inácio Lula da Silva, a desmobilização de várias ONGs e movimentos sociais ligados à luta em favor dos direitos humanos tem sido um fenômeno observado no Brasil. Muitos integrantes dessas ONGs e movimentos sociais, alguns deles com grande histórico de lutas, assumiram cargos governamentais e passaram a difundir a falsa noção de que havia chegado a hora do atendimento a todas as reivindicações presentes nas pautas dos defensores de direitos humanos. Pura ilusão. Conquistas, de fato, foram alcançadas, mas diversas outras ainda permanecem como sonho. Em alguns casos, houve até um retrocesso. Mesmo diante das lacunas que ainda persistiram no campo das políticas sociais, muitas ONGs e moviment os sociais permaneceram quietos, calados e engessados, como se não houvesse mais a necessidade de continuar a luta. Aos poucos, vamos vendo a sociedade civil organizada engrossar as fileiras da servilidade.
No dia 10 de janeiro de 2012, uma rebelião estourou na unidade da FUNASE (Fundação de Atendimento Sócioeducativo) do Cabo de Santo Agostinho, município do Litoral Sul de Pernambuco. Três adolescentes foram espancados, queimados e mortos, sendo um deles decapitado. Denúncias feitas pelas mães dos adolescentes e pelos próprios internos apontaram para as causas da rebelião: maus tratos contra os meninos por parte dos Agentes Sócioeducativos, superlotação da unidade, falta de projeto pedagógico, espaço físico inadequado e tráfico de drogas dentro da unidade, favorecido por funcionários. O Fórum Estadual de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (Fórum DCA/PE), que é um espaço de articulação formado por organizações da sociedade civil que atuam na garantia dos di reitos humanos de crianças e adolescentes, reuniu-se em caráter de emergência e decidiu promover, oito dias após a rebelião, uma vigília em frente ao Palácio do Campo das Princesas, sede do Governo do Estado, cobrando mudanças não só na unidade do Cabo de Santo Agostinho, mas em todo o Sistema Sócioeducativo. Ficou muito claro que a rebelião de janeiro não foi um fato isolado, mas, sim, uma nova indicação de que o Sistema Sócioeducativo de Pernambuco está falido e não consegue cumprir o seu objetivo de ressocializar os adolescentes em conflito com a lei. Naquele momento, as organizações que compõem o Fórum DCA/PE estabeleceram que o dia 10 de cada mês seria dedicado à mobilização em favor de mudanças no Sistema Sócioeducativo de Pernambuco.
Desde então, as mobilizações passaram a incomodar o governo. Eis os sinais do incômodo: representantes do governador Eduardo Campos têm feito perguntas sobre os integrantes da coordenação do Fórum (investigação?), notas defendendo o governo têm sido publicadas em jornais nos dias em que acontecem as vigílias ou nos dias seguintes a elas e declarações de “vocês estão incomodando” têm sido feitas por pessoas do governo. Se o objetivo das vigílias é pressionar o governo para que ele mude o Sistema Sócioeducativo, então o incômodo provocado mostra que o Fórum está no caminho certo.
Os resultados obtidos nas mobilizações têm sido positivos. Porém, é triste e preocupante notar que, a cada vigília, fica evidente a falta de compromisso de muitas organizações da sociedade civil, que, em nome da manutenção de parcerias com o governo de Eduardo Campos, se retiram da mobilização. Sociedade civil se tornando servil. Na primeira vigília tivemos 60 participantes. Na segunda, 50. Na última, 30. E isto não está ocorrendo por falta de divulgação, pois a mesma tem sido feita incessantemente por meio de emails, redes sociais, blogs, jornais, rádios, reuniões etc. Aliás, grande parte da imprensa pernambucana tem dado muita atenção a essa série de mobilizações.
Mas, não é só o medo de perder as parcerias com o governo que tem afastado muitas organizações dessa luta. Há também a velha ingenuidade (será mesmo ingenuidade?) de achar que o “governo de esquerda” de Eduardo Campos, que humilhou a direita conservadora de Jarbas Vasconcelos e Sérgio Guerra, não deve ser incomodado, pois “está fazendo de tudo para tornar o Estado de Pernambuco mais justo e desenvolvido”. Será? Segundo o Centro Luiz Freire, esse governo “de esquerda” destinou menos de 1% para a assistência social em seu último orçamento. Deste montante, 0,25% foram para a área da infância e adolescência. Com relação ao Sistema Sócioeducativo, o referido governo ainda não cumpriu uma linha sequer do Plano Estadual de Reordenamento do Sistema Sócioeducativo, qu e ele mesmo construiu. Quando o Ministério Público de Pernambuco intimou o governo a apresentar, em uma audiência, um prazo para iniciar a efetivação desse Plano, o mesmo simplesmente não compareceu. Infelizmente, as brechas em nossas leis permitem que o governo falte a uma audiência, mesmo sendo intimado, e não seja punido, zombando, assim, do Ministério Público.
No dia 10 de maio haverá outra vigília: a quarta. Enquanto o Sistema Sócioeducativo de Pernambuco não mudar, o Fórum DCA/PE continuará na rua, mesmo que seja com 30, 20, 10 pessoas. Claro que há muito mais gente fora desse esquema de bajulação a um governo que tem mais de 80% de aprovação, capitaneado por um político que sonha em ser presidente da República. É com essa gente que o Fórum conta, pois é ela quem assume o compromisso com a causa dos direitos humanos de crianças e adolescentes e não com os “pratos de lentilhas” que são oferecidos pelo Palácio do Campo das Princesas.
O que o Fórum DCA/PE quer, afinal de contas? Quer fazer campanha contra Eduardo Campos? Quer que as organizações rompam suas parcerias com o governo? Não. O Fórum quer o desenvolvimento que vem de Suape e das outras grandes obras que estão sendo feitas no Estado. Quer o fortalecimento econômico de Pernambuco, que cresce a cada ano. Quer o sucesso do Pacto pela Vida. Mas, quer também um Estado onde são garantidos os direitos humanos de crianças e adolescentes. Quer que Pernambuco tenha um Sistema Sócioeducativo que, ao invés de ser um espaço de violações de direitos, reeduque e ressocialize os adolescentes em conflito com a lei, em nome de uma sociedade justa e pacífica. Quer a manutenção das parcerias entre governo e sociedade civil, esperando, contudo, que as organizações não se vendam.
 
Reginaldo José da Silva
(Pastor Batista, Membro da Igreja Batista na Cidade Evangélica dos Órfãos, Assessor de Projetos Sociais da Kindernothilfe – KNH Brasil Nordeste – e Coordenador do Fórum Estadual de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente – Fórum DCA/PE)

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