sexta-feira, 24 de junho de 2011

ARTIGO

Skank
Célia Labanca*

Skank é o tipo mais puro da maconha. - Exatamente como pertence ao mais puro dos direitos a possibilidade de discuti-la. Independente do que possa ter mobilizado o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso a não abrir espaço durante seus oito anos de governo para a sociedade brasileira discutir o problema da maconha, e das demais drogas, seus usos, criminalização, ou descriminalização; ainda que tenha afirmado que não conhecia sobre o assunto durante aquele seu tempo de mandato; de ter publicado que “viajou Europa e Estados Unidos para aprender a arrazoar sobre elas e uma provável relação saudável entre usuários e governo”; de ter criticado a ação policial contra a marcha da maconha em São Paulo; agora, que inventou para si uma volta “triunfante” à mídia apoiando a discussão, mesmo com tantos anos de atraso, dá sua maior contribuição à causa quando afirma que “pensei que política de prevenção contra drogas, se fazia pela ação policial. Errei.”

Ele entre outros representantes do poder público, e também de fora do Brasil, não são pessoas que ainda se posicionam contra a descriminalização, como muitas outras, que afirmam que ela já existe a partir de que o usuário não é punido por crime, ou com prisão. Apenas, é criminalizado com a ficha suja (como se isso fosse pouco, e como se só a dependência não fosse a pior das punições!), embora já se saiba que o problema da droga é mais do que de saúde pública. - É da ausência de uma política séria e determinada de governo.
Já está claro para todos que o problema das drogas não se resolve com o uso do cassetete. Nem aqui, nem lá fora. - Muito mais objetivo seria ousar. Criar uma política ampla, consistente e responsável, que abordasse o tema para resolvê-lo, abrindo mão do medo e da hipocrisia, e tendo-se coragem de regulamentar o uso delas, resgatando tantos anos de espera pelo debate, e por isso.

Da regulamentação faria parte, por exemplo: a criação de meios que qualificassem as drogas; a criação de uma escala de economia em torno delas com cobranças de impostos, taxações, locais determinados de venda, etc; a criação de um programa de empregabilidade para dependentes e traficantes; um registro de usuários, (porque o mapeamento do tráfico já se tem); a permissão do plantio para o consumo individual, para os estudos científicos, e para a fabricação de remédios, e a instalação de programas que viessem tratar a saúde mental de ambos com o montante arrecadado pela economia gerada a partir da legalização. - Podendo ainda, serem aplicadas outras restrições possíveis de contribuir com a diminuição do consumo, tais como campanhas educacionais, entre outras.
Outro aspecto fundamental seria a modernização do curriculum educacional desde o início da idade escolar, pois se pararmos para olhar como o mundo se encontra, somos obrigados a reconhecer que o modelo de educação que se desenvolve há décadas foi criado no sentido de deseducar e desestruturar cultural e intelectualmente as massas, o que somente induziu a desacertos, colaborando como mais um item na cadeia de frustrações da inteligência, e da criatividade do alunato jovem, que mal preparado é levado a não ter perspectiva de futuro, nem conhecimento adequado ao não uso das drogas. - Com isso e com outras ações programáticas que tenham por desígnio diminuir o acesso, e o interesse de usuários e traficantes pelas drogas,  as coisas poderiam começar a melhorar.
Sabe-se que 80% do uso dela no mundo inteiro vêm da maconha. Com a proibição e a criminalização da venda e da ingestão, aumenta sua desqualificação. Nela passam a inserir e misturar produtos químicos e outros tantos, incentivados pelo aumento permanente da demanda, tornando-a mais agressiva ao organismo humano, e fazendo aumentar não só a dependência, como levando usuários a crises terríveis, e até a surtos psicóticos, adicionando custos à saúde pública.
As indústrias de armas se fortalecem significativamente com o combate ao tráfico, como também fortunas são gastas com a mídia, com o policiamento, o transporte, com a telefonia, com as prisões que oneram cofres públicos... - Um verdadeiro arsenal logístico para o combate, e quem sabe, até para o apoio a ele?

Ora, precisamos aprender com as drogas consideradas lícitas. Elas afrouxadas pela legalização, e por isso, aceitas pela moral social e religiosa, produzem um dano menor. Afinal, quanto mais disponíveis,  menor é o uso, e o agravamento dos efeitos. - Não há, por exemplo, em portas de colégios, ou em festas, ou haves, ou grandes shows, nenhum traficante oferecendo aos estudantes bebidas alcoólicas, porque elas são “legais”! Já com relação à maconha, com o acesso incitado pela proibição, pela competência do tráfico, e pelo tesão que o proibido desperta, dá no que dá.
Segundo as estatísticas, no Nordeste o uso da maconha é de 5.5%; no Norte 5.0%; no Centro Oeste 5.0%; no Sudeste 7.7%, e no Sul 8.4%. - O consumo geral do álcool é de 46% por jovens entre 25 e 40 anos, sendo que a maioria deles é imune às drogas consideradas ilícitas. - Mas foi o consumo de maconha o que mais cresceu no Brasil. Em 2001, 1% dos brasileiros entre 15 e 65 anos consumia a droga. O índice subiu para 2,6% em 2005. Por outro lado, a ONU indica que o número de consumidores de maconha no mundo caiu de 162 milhões, em 2004, para 159 milhões, em 2005. Houve também aumento no consumo de anfetaminas, que chega a 0,7% entre os brasileiros, e de ecstasy, consumido por 0,2% da população. As informações são do jornal “O Estado de S. Paulo”. - Com relação aos números do crack, são eles: no Norte, 0.2%; no Nordeste, 0.4%; no Centro Oeste, 0.4%; no Sudeste, 0.4%, e no Sul, 0.5%. - As regiões sul e sudeste concentram o maior número absoluto e em percentual de usuários. Mesmo assim, esses números dizem que no Brasil, eles são bem menores que no Chile, Argentina, e outros países da América do Sul. - Na Holanda, o uso de drogas pelos jovens, porque descriminalizadas, é de 15%, ao todo, e em todo o país.

Então, diante dos números, dos fatos sociais e policiais, da violência com os quais vimos convivendo, nada melhor do que fez o STF ao ter legitimado a Marcha da Liberdade, para as reivindicações mais diversas, organização e expressão do pensamento, ou da Maconha, obrigando, inclusive, a que sociedade passe a refletir com algum pragmatismo sobre o assunto, e contra o conservadorismo, o que validou definitivamente que as drogas não são vistas por todos com a mesma veemência com que o preconceito as ver.

Entendamos, portanto, ser sagrada a nossa integridade física, mental e moral, sem a ameaça das drogas, e das violências trazidas por elas. Mas, para isso, devemos aventar probabilidades positivas e negativas sobre a sua legalização como já fizeram os países mais desenvolvidos, colaborando com a discussão. - Para terminar: que fique clara mais uma questão: quem tem dinheiro para prender, e financiar o dispendioso combate, deveria ter dinheiro para prevenir e tratar, como dizem as mães, e as famílias dos que convivem com a dependência.
NB. Vale assistir ao filme: Quebrando Tabu, do jovem diretor Fernando Andrade.

*Escritora

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