quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Caminhos e desafios para o aprimoramento das redes e sistemas de garantia de direitos

Fabio Ribas


Fabio Ribas é consultor e pesquisador em políticas públicas no campo dos direitos das crianças e adolescentes, Doutor em Psicologia Social pela PUC-SP e diretor da Prattein Consultoria.
Como o SGDCA e as redes de atendimento podem caminhar no sentido de tornar realidade as prescrições legais?  Quais os desafios para tanto?
Talvez o primeiro aspecto relevante a considerar nas respostas a essas questões seja a necessidade de se ter claras as diferenças e convergências entre o conceito de trabalho em rede, o conceito de rede de atendimento e o conceito de sistema de garantia de direitos.
Esses conceitos são conceitos complementares. Porém, é útil e necessário fazer distinções entre eles. O conceito de trabalho em rede pode ser definido como uma forma de ação compartilhada que depende de disposição para a prática de relações horizontais de cooperação. Nesse sentido, a cultura de trabalho em rede precisa ser construída, muitas vezes, por meio de embates contra tendências centralizadoras, antidemocráticas ou pouco transparentes de gestão de políticas, instituições e programas. O conceito de rede de atendimento tem sido empregado para designar o conjunto de instituições e programas que realizam o acolhimento e o atendimento direto de crianças e adolescentes, em geral sob a coordenação ou supervisão do Poder Executivo, e sob o controle externo do Poder Legislativo, do Ministério Público e do Poder Judiciário. O conceito de Sistema de Garantia de Direitos diz respeito ao conjunto mais amplo de instituições dos Poderes Executivo, do Ministério Público e do Poder Judiciário, que devem agir de forma articulada e integrada para viabilizar uma série de fluxos operacionais sistêmicos, sem os quais os direitos das crianças e adolescentes não se efetivam. Como vimos, o conceito de SGDCA está definido no marco legal do setor e, desta forma, fornece amparo para que os gestores criem condições para o avanço da integração das redes de atendimento, e a sociedade exija dessas redes uma ação integrada e eficaz.
Não há razão para supor a existência de incompatibilidade entre os conceitos de trabalho em rede e de sistema de garantia de direitos, ou entre os conceitos de rede de atendimento e de sistema de garantia de direitos. Ao adotar uma visão restrita das instituições que os compõem os sistemas de garantia de direitos como instâncias burocráticas e incompatíveis com o conceito moderno de trabalho em rede e com o dinamismo próprio das redes na sociedade da informação, alguns autores e profissionais dedicados ao “mundo das redes” sugerem que a dinâmica do trabalho dessas instituições (necessariamente baseada no marco legal e em estruturas organizacionais) seria antagônica aos modernos processos de trabalho em rede. Essa visão é equivocada e não contribui para o fortalecimento dos sistemas de garantia de direitos, pela simples razão de que não há como pensar em sociedades democráticas que não sejam assentadas, simultaneamente, em instituições sólidas (legais e organizacionais) e em processos de participação social desbloqueados e transparentes.
O trabalho em rede pode impulsionar uma nova cultura organizacional e um novo padrão de operação nos sistemas de garantia de direitos. Essa idéia fica mais clara quando compreendemos que o maior desafio desses sistemas é efetivar uma série de fluxos operacionais de forma ágil, consequente e eficaz. Isto não será possível se os elos de comunicação entre as instituições, programas e agentes que participam desses fluxos estiverem bloqueados ou apresentarem conflitos, antagonismos ou lacunas que não possam ser superados.
Buscando explicitar a necessidade de uma adequada estruturação, integração e fluidez dos vínculos que devem ser estabelecidos entre os participantes dos sistemas de garantia de direitos, a Associação Brasileira dos Magistrados, Promotores de Justiça e Defensores Públicos da Infância e da Juventude (ABMP) publicou um estudo pioneiro que procura sistematizar os fluxos operacionais de enfrentamento de diferentes violações dos direitos de crianças e adolescentes.  Como seria de se esperar, o estudo se fundamenta nos marcos legais do setor. No entanto está inteiramente assentado na suposição de que, entre as instituições e agentes integrantes do SGDCA, deve haver priorização, disposição e mobilização concreta para o trabalho em rede.
Quais são as dificuldades para o aprimoramento do trabalho em rede no interior das redes de atendimento e dos sistemas de garantia de direitos? Quais os caminhos para superar essas dificuldades?
Em breves palavras, é preciso superar culturas organizacionais centralizadoras ou clientelistas e cuidar para que as redes e sistemas não sejam apenas um espelho de tendências da cultura brasileira que ainda influenciam os padrões de gestão pública, tais como a falta de transparência, a subordinação das decisões a relações e interesses pessoais, o baixo controle social dos serviços públicos por agentes previstos em lei e por legítimos representantes da sociedade civil. As redes e sistemas de garantias de direitos precisam ter a capacidade de confrontar essas tendências e agir para transformar a realidade.
Outra condição importante é o empoderamento dos Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente. Esses Conselhos não devem ser vistos apenas como mais uma entidade do SGDCA. Cabe a eles agir como instâncias deliberativas e fomentadoras da atuação integrada das instituições e programas do setor. Para tanto, devem ser capazes de instaurar processos permanentes, qualificados, participativos e transparentes, em cada localidade, de diagnóstico, definição de prioridades e incidência nos orçamentos municipais. Isso ajudará o SGDCA, em cada município ou unidade da federação, a articular esforços e realizar ações integradas que respondam às necessidades locais.
A realização processos de diagnóstico e planejamento também permite que os Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente estabeleçam um diálogo contínuo com os agentes do SGDCA que são seus parceiros naturais: o Conselho Tutelar; os poderes Executivo, Judiciário e Legislativo; as Polícias Militar e Civil; o Ministério Público; as organizações não-governamentais, entre outros. Cada um desses agentes tem atribuições que são essenciais para que os direitos possam ser garantidos. Eles só farão um trabalho mais efetivo se estiverem reunidos em torno de prioridades definidas por meio de processos qualificados de diagnóstico e planejamento, coordenados pelos Conselhos de Direitos. Com isto, os gestores das políticas que incidem sobre as crianças e adolescentes poderão compreender que deve haver continuidade e cooperação entre as políticas de proteção especial (destinadas especificamente a enfrentar violações de direitos) e as políticas sociais básicas (destinadas a promover direitos e prevenir violações). E poderão avançar de forma mais efetiva na busca de articulação intersetorial sem a qual a dimensão sistêmica do SGDCA não se efetiva.

O tema “redes” está na pauta de muitas discussões atuais sobre novas formas de organização do trabalho e de participação social. Na área dos direitos das crianças e adolescentes, é crescente a percepção de que, para que possam ampliar a efetividade de suas ações, as instituições e programas voltados à defesa, promoção e controle dos direitos devem atuar em rede(...) Leia mais sobre o conceito de redes e SGDCA clicando aqui


Fonte: Pró-Menino

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