Em todo o Brasil, uma característica comum une as vítimas de aliciação para trabalhos em condições análogas à escravidão: a baixa escolarização. A coordenadora e educadora do projeto “De olho aberto para não virar escravo”, Elizabete Flores, avalia que “as pessoas com baixa ou nenhuma formação escolar estão mais vulneráveis aos aliciadores”. Segundo ela, essas pessoas não têm perspectivas profissionais e sequer questionam suas realidades, “que já são bem semelhantes às condições de escravidão”. “Elas muitas vezes moram nas periferias, em barracos de madeira, com chão de terra batida, exatamente as mesmas condições encontradas no local de trabalho”, compara.
A educadora argumenta que esses trabalhadores desconhecem seus direitos e, na maioria das vezes, se baseiam em valores que podem ser facilmente convertidos em armadilhas. É o caso da necessidade de “honrar compromissos”. Tal ideia, associada ao pagamento de despesas com alimentação, moradia e, inclusive, das próprias ferramentas usadas em serviço, impede que esses trabalhadores voltem para casa.
Elizabete considera que a “ganância, a impunidade e a miséria” são eixos facilitadores à condição para o trabalho escravo. Para que ele fosse extinto, analisa ela, “seria necessário assegurar aos sujeitos qualidade de vida em todos os âmbitos”.
Para a representante do programa “Escravo, nem pensar”, da ONG Repórter Brasil, Natália Suzuki, a precarização das condições de trabalho não é algo comum apenas na visão das pessoas aliciadas. De acordo com ela, está naturalizada também para os empregadores e até para a comunidade local.
“A possibilidade do trabalho escravo é tão comum que surge, até mesmo, na comunidade escolar sem que ela se dê conta disso”, revela Natália.
De olho aberto
Com o objetivo de levar conhecimentos sobre os direitos do trabalhador, a existência do trabalho escravo e a possibilidade de denunciar qualquer suspeita nessas condições, o projeto “De olho aberto para não virar escravo”, criado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) em 1997 e aplicado no Mato Grosso desde 2010, desenvolve metodologias de sensibilização e divulgação de informações.
Destinado a alunos da educação infantil, jovens universitários e de cursos profissionalizantes, membros de comunidades religiosas, assentados e acampados, sindicatos e trabalhadores em geral, a iniciativa procura utilizar abordagens diferentes para cada grupo.
Uma parceria com estudantes da Faculdades Unidas do Vale do Araguaia (Univar) fornece análises sobre a situação agrária do país, além de produzir trabalhos de campo junto aos assentados e acampados. Por outro lado, aproxima a academia da atual realidade sobre escravidão na região.
Mas como discutir direitos trabalhistas e direitos humanos para um público cuja formação escolar é tão precária? Segundo Elizabete, falar com pessoas que sequer foram alfabetizadas exige um empenho de buscar outros elementos, como poemas, filmes e até trechos bíblicos.
Ela relata que nas atividades elaboradas para estudantes do ensino fundamental, médio e de cursos profissionalizantes são utilizados materiais mais lúdicos como vídeos, músicas e poemas, que ajudam a refletir sobre as questões trabalhistas.
“Nenhum ser humano deve trabalhar como se fosse uma máquina.
O trabalho tem de servir ao aprimoramento de nosso ser
e dar significado à nossa existência.”
(Trecho do poema Cântico da Rotina, de Ana Miranda)
Aos membros da comunidade religiosa, a formação é dada com base em trechos da Bíblia, traçando um paralelo entre o livro e a realidade. Já com os sindicatos, há um esforço de orientação para que possam fazer denúncias diretamente aos órgãos competentes.
Fonte: Portal Aprendiz e Pró-Menino