quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Mais de 1 milhão de crianças entre 5 e 13 anos já trabalham

Os números são da PNAD e também indicam que 30% das 4,2 milhões crianças e adolescentes que trabalham não recebem nada pelo que fazem

Quando os cantores Arnaldo Antunes e Paulo Tatit compuseram o sucesso infantil “Criança não trabalha, criança dá trabalho”, em 1998, o Brasil tinha mais de seis milhões de crianças e adolescentes  trabalhando, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) na época. Quase treze anos depois, o último relatório realizado pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), em 2009, ainda indica um número alto de pessoas até os 17 anos ocupando alguma atividade no mercado de trabalho. São 4,2 milhões. Desse total, 1,2 milhão estão na faixa entre cinco e 13 anos.
Os números, que apontam redução, interpretam um esforço da sociedade civil, organizações e governo para acabar com o trabalho infantojuvenil no País. E esse é o caso da Organização Internacional do Trabalho (OIT) que, desde 1992, mantém o Programa Internacional para a Eliminação do Trabalho Infantil (Ipec, na sigla em inglês), que tem como objetivo cooperar com a erradicação do problema nos países membros. O Brasil integra esse programa desde o início e, segundo o Ipec, apresenta o melhor desempenho entre as 90 nações que possuem grande quantidade de crianças e adolescentes em situação de trabalho. De 2004 para cá, a redução foi de 20,7 %.
Mas essa queda nos indicadores ainda não é motivo de comemoração. No levantamento do Pnad, 30% das 4,2 milhões crianças e adolescentes que trabalham não recebem nada pelo que fazem. Entre os que ganham alguma coisa, a média salarial está em R$ 278 mensais. A jornada de trabalho fica em 26,3 horas semanais. Quando o assunto é gênero, das crianças entre cinco e nove anos (123 mil), 69% são do sexo masculino.
Considera-se trabalho infantil quando meninos e meninas estão abaixo da idade mínima exigida no Brasil (16 anos) para ocupar atividades econômicas ou de sobrevivência, remuneradas ou não. Esses trabalhos, em grande parte dos casos, também expõem as crianças e os adolescentes a situações de risco ou condições desumanas. Apesar disso, vale ressaltar a existência da condição de aprendiz a partir dos 14 anos de idade. Nesse caso, o adolescente exerce uma função relacionada à qualificação profissional, sem interferência nos estudos.
Em cada região do País, o trabalho infantil apresenta diferentes características. No Sudeste, os casos mais frequentes são os de trabalho doméstico e ocupações na indústria, enquanto no Sul predomina a mão-de-obra na agricultura e o Norte apresenta relatos de trabalho artesanal, por exemplo. “Em termos numéricos, a região que mais apresenta crianças e adolescentes trabalhando em atividades consideradas perigosas é o Nordeste, principalmente nos Estados de Tocantins e Piauí. No Sul, temos o cultivo do fumo. Em casos como esse, a criança também pode ter sua saúde prejudicada, já que se utiliza química nas lavouras”, conta o coordenador nacional do Ipec, Renato Mendes, em entrevista à Vira.
Renato diz que o maior desafio para erradicar o trabalho infantil no Brasil é garantir uma educação de qualidade que atenda às especificidades de diferentes públicos. “Antigamente, unir trabalho e estudo era inconciliável. Hoje isso mudou. Temos 97% das crianças na escola nos primeiros anos, mas esse número cai conforme a evolução de série, pois elas não permanecem na escola para ajudar no complemento financeiro da família. É preciso criar um contraturno escolar com atividades de reforço, culturais e esportivas. O desinteresse pelo estudo também ocorre por conta da dificuldade de acesso à escola, por não ter transporte, merenda escolar e ambiente adequados”, fala o coordenador.

Questão cultural
Apesar dos indicadores mostrarem redução no número de crianças e adolescentes trabalhando, a auditora fiscal do Trabalho em Goiás, Katleem Lima, considera a diminuição tímida para os esforços que são feitos. Para ela, é preciso que todos os órgãos da rede de garantias de direitos da infância reflitam sobre o enfrentamento do problema. Ela ressalta, ainda, a existência de armadilhas no combate à prática, relacionadas à cultura e a mitos consolidados, como o pensamento de que “criança e adolescente que trabalha não traz problemas”.
A questão cultural reflete inclusive no entendimento do que é considerado trabalho infantil. Relatórios da OIT destacam que o fato de crianças e adolescentes trabalharem “em casa” ou “com a família” também caracteriza exploração de trabalho, pois há  casos em que os jovens são submetidos a extensas jornadas de tarefas no negócio familiar ou nos serviços domésticos.
E para enfrentar também os casos envolvendo familiares, o governo federal criou o Peti (Programa de Erradicação do Trabalho Infantil), que garante apoio e orientação às famílias que possuem crianças em condições de trabalho por meio de ações socioeducativas. Além disso, incentiva o estudo e a realização de atividades esportivas, culturais e de lazer.
Integrado ao Bolsa Família, o programa oferece à família uma renda mensal para cada filho entre sete e 14 anos de idade que for retirado do posto de trabalho. Mas o empenho do Peti não tem sido suficiente para atender a todos os jovens que trabalham em condições desumanas. Segundo o acompanhamento do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), o Peti consegue impactar na vida de 1,1 milhão de jovens trabalhadores, deixando de fora as outras 3,1 milhões.

* Matéria veiculada na edição nº 68 da Revista Viração, por Fernanda Garcia e Rafael Stemberg, publicada no Portal dos Direitos da Criança

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