O Brasil construiu nos últimos anos um patrimônio no campo da cidadania cultural e das públicas de cultura. Durante os anos 90 e inicio dos anos 2000 plantamos sementes de cultura em todo o país: deixamos claro que o debate cultural era importante, que não havia desenvolvimento humano sem cultura, que as leis de incentivos deveriam estar contextualizadas no âmbito das politicas públicas; que o desenvolvimento deveria agregar qualidade de vida cultural. Criamos uma verdadeira "cultura da cultura".
Nas intervenções do Fórum Intermunicipal de Cultura/FIC Valmir de Souza,Francisco Ferron, Altair Moreira, Tião Soares (São Paulo) Bernardo Mata Machado,Guilardo Veloso (Minas Gerais)Joãozinho Ribeiro (Maranhão), Marta Arruda,( Alagoas), Sebastião Pimentel (Espirito Santo), João Pimentel,( Rio Claro/SP), o poeta José Gomes Sobrinho, do Tocantins, Hamilton Faria e muitos e muitos outros, transformávamos municípios em campo fértil para ideias e ações. Ampliamos o conceito de cultura, criamos secretarias, fortalecemos iniciativas culturais, tomamos o espaço da rua, aproximamos direitos culturais e direitos humanos, falamos de globalizações e interculturalidade, multiplicamos fóruns, criamos a expressão políticas públicas de cultura, que não se falava no país, nem em outro; falamos pela primeira vez da Economia Solidaria da Cultura, por considerarmos que a Economia da Cultura não era inclusiva, incluía uns e excluía outros. Foram debates históricos que aglutinavam centenas de redes do país . Agregamos pensadores e ativistas da França, da África e da América Latina em nossos encontros.
No primeiro encontro do Fórum Intermunicipal de Cultura, 1994, em Belo Horizonte, com o tema Cultura, Politicas Públicas e Desenvolvimento Humano, juntamos cerca de 1000 pessoas de todo o pais e elegemos representantes do Fórum em 27 estados. Aprovamos resoluções que estimulavam o debate público, a afirmação da diversidade, a importância da ancestralidade, dos conselhos de cultura, dos fóruns, a democratização da cultura com desenvolvimento humano.
A gestão Gilberto Gil, do ponto de vista daquilo que a cultura plantou, foi a expressão da institucionalização de movimentos e pensares que cresceram ao longo da década. Definiu políticas públicas para o Ministério, políticas públicas especificas, criou um conceito espantoso do “doin antropológico” onde se massageia os pontos vitais do país, que inspirou a criação dos Pontos de Cultura por Célio Turino; criou projetos de diversidade cultural e cultura popular; fortaleceu redes, colocou as novas tecnologias a seu serviço; criou uma Política Nacional de Cultura, iniciou um ideário do Sistema Nacional de Cultura, que busca potencializar recursos, cruzar idéias, estimular a transversalidade. Foi um momento poético, pleno de ações e corações, onde a loucura foi possível, com todos os seus extremos, onde o sonho parecia estar sendo gestado após um longo inverno quando a cultura era apenas um "bom negócio". Havia escutas em todos os cantos, tambores, invenções midiáticas que se cruzavam com danças, indígenas que se conversavam através de computadores. Uma fermentação ímpar e sonhadora . Faltava, é verdade, maior amplitude das políticas, uma refundação dos esquemas burocráticos, mudanças na gestão para maior agilidade das políticas públicas, uma postura mais firme em relação ao financiamento da cultura etc Mas foi um trabalho que na sua incompletude lançava os seus próprios desafios de futuro.
Precisamos ter a coragem de continuar o ciclo histórico, somar as qualidades boas para um novo crescimento. É legitima a redefinição de rumos numa nova gestão, mas espera-se também a continuidade de trabalhos sedimentados pela sociedade, que não haja rupturas drásticas nesta rota. Assim, espera-se da nova gestão a continuidade do trabalho levado pela sociedade, a consolidação da representação do seu fazer cultural, através dos Conselhos e Conferências, o fortalecimento das redes culturais, dos Pontos de Cultura, proposta maior da maturidade da diversidade brasileira, exportada pela Articulação Latino Americana (ALACP) para a América Latina. Espera-se que o Sistema Nacional de Cultura, definitivamente ponha o bloco na rua, envolva parceiros. Espera-se que se abra o debate sobre as novas tecnologias, as mídias livres, o Creative Commons. Espera-se que haja uma real reforma política no Ministério da Cultura, permitindo maior transversalidade entre secretarias, agilidade das políticas, maior sincronia entre o tempo cultural e o tempo burocrático, tão distantes na sociedade . Espera-se o aprofundamento da descentralização cultural, que implica em ações, recursos e políticas para todo o país e não apenas centradas no eixo Rio- São Paulo . E um real e verdadeiro conhecimento das dinâmicas locais e suas identidades. Espera-se que as poéticas da cultura espalhem-se pelas humildes casas do país e não apenas nos grandes projetos criativos que pouco incluem e muitas vezes deformam as cores da diversidade.
Ministra Ana de Hollanda e equipe, espera-se também que o Minc inclua no rol de políticas o ato da escuta permanente, para melhor compreender o momento que estamos passando e não se rompa o elo com o passado recente, pois aí está o chão do desenvolvimento humano com qualidade de vida cultural. Estamos confiantes de que sociedade e poder público continuarão juntos redescobrindo o Brasil .
Por: Hamilton Faria, poeta, professor universitário, coordenador da área de cultura do Instituto Pólis
Fonte: Instituto Pólis
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