Neste ano, o governo federal registrou mais de 37 mil denúncias de negligência familiar,
como a relatada por Bernardo à Justiça
Bernardo Boldrini, de 11 anos, pediu ajuda à Justiça antes de morrer
Sem hematoma, sangramento ou qualquer outro sinal mais evidente, violações graves a direitos
fundamentais de crianças e adolescentes tendem a ser subestimadas. A negligência — que levou
o menino Bernardo Uglione Boldrini, de 11 anos, a pedir socorro à Justiça do Rio Grande do Sul
antes de ser assassinado — é uma delas. Apesar de menos chocante que a agressão física ou o
abuso sexual, esse tipo de violência corresponde a 74% do total de 124.079 denúncias
protocoladas em 2013 no Disque 100, com vítimas menores de idade. A média do ano passado —
249 registros por dia — explodiu em 2014. De janeiro a 15 de abril, o canal de comunicação do
governo federal notificou 37.586 casos de negligência familiar, ou 358 a cada 24 horas.
Para especialistas, o caso Bernardo demonstra como a negligência, além de não escolher classe
social, geralmente é a primeira violação que pode resultar em outras mais graves. “Não dá para
dizer que uma criança vítima de negligência vá se tornar vítima de uma barbaridade daquela.
Mas, a partir do momento em que os pais são reiteradamente negligentes com os filhos, abre-se
um caminho para agressões, castigos imoderados, abusos sexuais e até assassinatos”, adverte o
advogado Ariel de Castro Alves, membro do Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do
Adolescente de São Paulo.
Alves, que também é fundador da Comissão da Criança e do Adolescente da Ordem dos
Advogados do Brasil, chama atenção para os riscos da negligência quando ela ocorre na parte de
cima da pirâmide social. “O Judiciário, o Ministério Público, entre outros órgãos de proteção,
sentem-se intimidados em intervir na vida de famílias abastadas, que podem acusá-los de
invasão ou abuso de autoridade, diferentemente de como agem com pessoas pobres. Há uma
questão de classe nessa atuação”, sentencia. Ele cita outra dificuldade na solução do problema.
“A visão burocrática e legalista desses órgãos coloca em segundo plano o relato da criança.”
Das 37.586 denúncias de negligência registradas no Disque 100 em 2014, a maioria (45%) se
refere a desamparo e à falta de responsabilização — exatamente o tipo que levou Bernardo, em
janeiro deste ano, ao 4º andar do Fórum de Três Passos, onde relatou as ofensas da madrasta, a
desatenção do pai e o desejo de morar com outra família.
Pista
O pai, o médico Adriano Boldrini; a madrasta, a enfermeira Graciele Ugulini; e uma amiga do
casal estão presos e devem ser indiciados por homicídio triplamente qualificado pela morte de
Bernardo. A nota fiscal de compra de um extintor de incêndio, encontrada pela polícia no carro
de Graciele, com a data do desaparecimento do menino, levou os investigadores ao posto onde a
transação foi feita, no centro de Frederico Westphalen (RS). Ao verificar as imagens do sistema
de segurança do estabelecimento, os policiais viram Graciele e Edelvânia saindo do local com o
menino. Depois, elas retornaram sem Bernardo. E colocaram sacos plásticos no lixo do posto.
As imagens foram fundamentais para a polícia interrogar Edelvânia, que confessou o assassinato
do menino e mostrou onde o corpo foi enterrado — uma cova rasa no município, a 80km de Três
Passos. Suspeita-se que a mulher recebeu dinheiro para participar do crime.
Fonte: Diário de Pernambuco
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