segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Com cerca de 100 mil assassinatos em 2013, América Latina concentra países mais violentos do planeta

Analistas culpam fracasso dos governos e corrupção pelo avanço da criminalidade

Honduras lidera a lista das nações mais violentas do mundo (Jorge Dan Lopez/Reuters/25/11/2013)
Honduras lidera a lista das nações mais violentas do mundo
No ano passado, a imagem se repetiu 100 mil vezes na América Latina. Entre 2000 e 2010, cerca de 1 milhão de cidadãos foram silenciados à bala. Por trás da violência, quase sempre aparecem a inépcia do Estado, a corrupção desenfreada, a ausência de políticas sociais, uma desigualdade econômica gritante e um proselitismo ideológico capaz de armar a população para defender uma “revolução”. De acordo com o Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas (Pnud), Honduras lidera a lista das nações mais violentas do mundo – 86,5 mortes por 100 mil habitantes. Com 24.763 assassinatos registrados em 2013, a Venezuela aparece em segundo lugar. Imerso em uma grave crise social, política e econômica, o governo de Nicolás Maduro é acusado de controlar o Poder Judiciário e de apoiar facções armadas para esmagar qualquer ameaça representada pela oposição. Na quarta-feira, os tupamaros – grupos chavistas apoiados pelo Estado – se infiltraram numa manifestação estudantil e mataram três pessoas.  



Chanceler de Honduras entre 2008 e 2009 e ex-ministro da Defesa e da Justiça, Edmundo Orellana culpa os governos pela insegurança. “Não podemos ser indiferentes à pobreza, ao desemprego, à exclusão, à discriminação e à desigualdade na distribuição da riqueza nacional. São fatores que contribuem com os altos índices de homicídio”, admite. “Mas a responsabilidade sobre o fato de essa realidade perdurar cabe aos governantes. A violência e os crimes são sintomas da enfermidade. O problema vai além do sangue derramado. Atacar os sintomas apenas contribui para agravar o problema”, acrescenta.


Orellana vê como decisivamente negativo o apoio dos EUA à luta contra o narcotráfico no México e na Colômbia. Para ele, a ausência de uma estratégia para a América Central atraiu cartéis a outros países da região, incluindo Honduras. A permissividade do crime organizado nas estruturas de poder teria influenciado no aumento da insegurança. “O sistema judicial e policial de meu país está contaminado. Recentemente, iniciou-se um processo de depuração na polícia, no Ministério Público e no Judiciário. Nenhum policial, promotor ou juiz foi acusado por esses vínculos”, lamenta. “As instituições convocadas a combater os criminosos estão penetradas por eles.” O ex-ministro explica que traficantes assumiram algumas prefeituras e empresas.


Vácuo de poder
O mexicano Edgardo Buscaglia, presidente do Instituto de Acción Ciudadana para La Justicia y La Democracia e investigador principal da Columbia University (em Nova York), acredita que a violência na América Latina vai muito além dos homicídios e se beneficia de diferentes fatores. “Os assassinatos são apenas um dos 17 indicadores de violência na região, que incluem o tráfico humano; a extorsão; o sequestro; e diferentes tipos de conflitos armados – há crianças soldados no México, na Guatemala e em El Salvador”, observa. De acordo com ele, o seu país natal enfrenta o vácuo absoluto do Estado. “Algumas regiões estão desprovidas de sistema judicial. Em Durango, em Tamaulipas e em Sinaloa, não existem autoridades. Por isso, o México detém uma das taxas de sequestro mais altas do planeta.”



Buscaglia vê um ponto em comum, na América Latina, como fomentador da violência: a existência de falhas dos Estados, incapazes de fornecer serviços sociais, educação, saúde pública e justiça. “Os países latinos, com algumas exceções, sofrem uma deterioração nos serviços públicos, com grande parcela da população sem acesso à saúde e à educação. Ao perseguirem sonhos de privatização, eles criam delinquência”, observa. Segundo o analista, o cartel Los Zetas segue como o protagonista da violência no México, seguido da rede criminal Sinaloa, que estende seus tentáculos por franquias em 55 nações, inclusive o Brasil. “Essas franquias se dedicam ao contrabando, ao tráfico de pessoas e de drogas, e ao contrabando de armas.”


Na Venezuela, o discurso do falecido presidente Hugo Chávez teria reforçado a cultura de ódio. “Chávez justificava que um pai de família pode roubar para alimentar os filhos. Essa elasticidade moral teve efeitos devastadores na sociedade”, explica José Vicente Carrasquero Aumaitre, cientista político da Universidad Simón Bolívar, em Caracas. Na opinião do estudioso, o fator que explica o incremento do número de assassinatos é a impunidade. O Observatório Venezolano de la Violéncia apurou que 90% dos homicídios não são castigados. “Os criminosos entendem que matar é um delito pelo qual dificilmente serão punidos. Isso põe em destaque a leniência do sistema judicial.” Ele afirma que as prisões venezuelanas se tornaram um escritório do crime, a fim de buscar uma melhor qualidade de vida no cárcere.


Há quem culpe diretamente a cúpula do poder. É o caso de Alfredo Romero, diretor da organização não governamental Foro Penal Venezolano. “O governo tem armado grupos criados para a defesa da revolução. A distribuição de armas é anárquica, e o tráfico de armas, impressionante”, denuncia. Ele também aponta a ineficiência e a corrupção da Justiça. “É usada como arma política para a perseguição de opositores.”


PONTO DE VISTA


Ausência do Estado
“O México é um país muito fragmentado, com pequenos pedaços que lembram a Europa e grandes porções que remetem à África Subsaariana. Em regiões como Durango, Veracruz e Tamaulipas, encontramos bolsões com a ausência total do Estado e com conflitos armados. Em 54% do território mexicano, não existem autoridades locais e as taxas de homicídio são maiores até do que em Honduras. É preciso ver a violência como um produto da falta de investimentos sociais, em países que retrocedem no seu papel de  provedor da população.”
Edgardo Buscaglia - Presidente do Instituto de Acción Ciudadana para La Justicia y La Democracia e investigador principal da Columbia University (em Nova York)



Alianças nocivas
“O problema da violência tornou-se incontrolável após o surgimento do narcotráfico na América Latina, particularmente em Honduras. O país é vítima de políticas internacionais. Quando o narcotráfico tinha o império na Colômbia e no México, Honduras observava, com diferença, o que se passava naquelas nações. Não aparecíamos nos rankings de violência, mas em outros, como o de fragilidade do sistema judiciário, da corrupção, da pobreza e do desemprego. Quando os EUA ativaram colaboração com o México e de apoio à Colômbia, na luta contra o narcotráfico, o futuro da América Central tornou-se incerto.”
Edmundo Orellana  - advogado, ex-deputado, ex-chanceler, ex-ministro da Justiça e ex-ministro da Defesa em Honduras



A culpa é da política
“Na Venezuela, o principal responsável pela violência é a situação política. Vários ‘coletivos armados’ se dedicam a práticas violentas e chegam a declarar territórios liberados, nos quais a Justiça é administrada por esses grupos. Sob o ponto de vista da política pública, as práticas do governo são limitadas e inadequadamente direcionadas. A economia desempenha um papel importante, ao impedir que o governo dedique recursos necessários para que suas políticas amparem toda a população. Por outro lado, é claro que o desemprego e a crise econômica fazem com que muitas pessoas busquem no crime uma maneira de satisfazer as suas necessidades.”
José Vicente Carrasquero Aumaitre - Professor de ciência política da Universidad Simón Bolívar, em Caracas

Fonte: Diário de Pernambuco

Nenhum comentário:

Postar um comentário