segunda-feira, 28 de março de 2011

Criança de rua sustenta a casa e é reflexo da falta de políticas públicas, afirma especialista

A maior parte das crianças e dos adolescentes em situação de rua é arrimo de família ou reflexo de uma demanda dificilmente suprida pelo poder público em vagas de creches e escolas. A avaliação é do advogado Ariel de Castro Alves, vice-presidente da Comissão Nacional da Criança e do Adolescente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e ex-conselheiro do Conanda (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente) nos últimos quatro anos.
Em entrevista ao UOL Notícias, o especialista, que hoje preside a Fundação Criança em São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo, afirmou que “não é de surpreender” o resultado da pesquisa realizada pelo Conanda em 75 municípios brasileiros e cujo resultado foi divulgado nessa quarta-feira (23). Pelo levantamento, feito com pouco mais de 23 mil crianças e adolescentes em situação de rua, foi constatado que a maioria dos entrevistados é do sexo masculino, na faixa dos 12 aos 15 anos, autodeclarada de cor parda ou morena, mora na casa de pais, parentes ou amigos --e trabalha nas ruas. Mais de 65% dos pesquisados, por exemplo, exerce algum tipo de atividade remunerada.

Crianças na rua


  • Fonte: Conanda (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente). Ao todo, 23.973 crianças e adolescentes foram entrevistados em 75 cidades brasileiras, entre as quais, capitais e municípios com mais de 300 mil habitantes.
De acordo com o especialista, são comuns os casos de crianças e adolescentes “pressionados e cobrados pelos pais” a trazerem das ruas o sustento da casa. “Existe essa cultura ainda, e principalmente sobre os meninos --por isso que estão em maior número que as meninas nas ruas. Em famílias nas quais a mãe não tem apoio do pai isso é ainda mais evidente”, afirma Alves, para completar: “E a falta de vaga em creches e escolas, sobretudo na capital, é um fator aliado a  criança na rua, é inevitável. Aí os mais velhos acabam até levando os irmãos mais novos para sensibilizar na atividade da mendicância”, relata.

Projetos e qualificação

Alves cita também --a exemplo do constatado na pesquisa do Conanda --a violência doméstica como outro desencadeador para a fuga de crianças e adolescentes às ruas. Mas o especialista alerta que tão ou mais ou grave que essa situação é a falta de um plano de políticas nacionais voltadas especificamente a esse público. Afinal, ressalta, em quase 21 anos de ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) direitos fundamentais como alimentação, saúde, educação e higiene pessoal ainda não são realidade plena.
“É uma área bastante complexa de atendimento, mas tem que ter, por exemplo, educadores capacitados a ir para as ruas, dialogar com esse público em um trabalho contínuo, de convencimento à adesão a programas sociais de geração de renda, erradicação do trabalho infantil ou contra a dependência de drogas, mas há que ser programas especializados --não adianta ter improvisações”, defende. “O educador precisa mostrar os graves riscos ao presente e ao futuro existentes nas ruas, desde que haja centros de convivência adequados nos quais, após uma triagem, a criança ou o adolescente compreendam o porque de estar ali. Infelizmente, são raros os municípios que têm esse aparato hoje.".

Maioria das crianças em situação de rua mora com os pais, revela pesquisa

Pessoas do sexo masculino, na faixa entre 12 e 15 anos, que se declaram de cor parda ou morena e moram na casa de pais, parentes ou amigos e que trabalham nas ruas. É esse o perfil predominante de crianças e adolescentes em situação de rua segundo pesquisa nacional realizada pelo Conanda (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente) e pela Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente. Ao todo, 23.973 crianças e adolescentes foram entrevistados em 75 cidades brasileiras, entre as quais, capitais e municípios com mais de 300 mil habitantes.

Crianças na rua

Segundo o Conanda, o levantamento divulgado nesta quarta-feira (23), feito em parceria com o Idest (Instituto de Desenvolvimento Sustentável), deve servir de base ao aprimoramento de políticas públicas e à construção da Política Nacional de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente e do Plano Decenal, em fase de elaboração.
Entre o público pesquisado, 59,1% informou que dorme na casa da família (pais, parentes ou amigos, segundo os pesquisadores) e trabalha na rua; 23,2% disse que dorme em locais de rua (calçadas, viadutos, praças, rodoviárias, etc.); 2,9% dorme temporariamente em instituições de acolhimento e 14,8% circula entre esses espaços.
Na qualificação por gênero, a pesquisa apontou que 71,8% é do sexo masculino, 45,13% tem entre 12 e 15 anos e 49,2% se declarou de cor parda ou morena, enquanto 23,6% se disse da cor negra. Conforme os pesquisadores, a pobreza é um dos principais fatores que explicam a situação de rua de crianças e adolescentes no país.
Família
A maioria das crianças e dos adolescentes em situação de rua ouvidos na pesquisa dorme em residências com suas respectivas famílias. Até os que pernoitam nas ruas, 60,5%, mantêm vínculos familiares. Já 55,5% classificou como bom ou “muito bom” o relacionamento que mantêm com seus pais, enquanto 21,8% considerou este relacionamento ruim ou péssimo. Proporcionalmente, a relação com os pais é melhor no caso de meninos e meninas que moram com suas famílias, mas, mesmo entre aqueles que costumam dormir na rua, 22,4% consideraram bom ou muito bom o relacionamento com seus pais.
Ainda conforme a pesquisa, crianças e os adolescentes que dormem na casa de suas famílias apresentaram melhores condições de vida, alimentação, escolaridade e saúde. Para os pesquisadores, “isto demonstra a importância da convivência familiar e comunitária para a proteção de crianças e adolescentes e a necessidade de políticas públicas que apóiem as famílias em sua função de cuidado e proteção de seus filhos e filhas”.

ECA

Apesar de os avanços em quase 21 anos de ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) em direitos fundamentais como alimentação, saúde, educação e higiene pessoal, o Conanda aponta que vários deles não viraram realidade para o público entrevistado. Entre as principais razões alegadas aos que dormem na rua para explicar a saída de casa estão a violência doméstica (cerca de 70%): brigas verbais com pais e irmãos (32,2%); violência física (30,6%); violência e abuso sexual (8,8%).
Além disso, 13,8% disse não se alimentar todos os dias e, ainda que a maior parte do público entrevistado esteja em idade escolar, não estudam atualmente 38,9% daqueles entre 6 a 11 anos, e 59,4% dos que têm entre 12 e 17 anos. A pesquisa apontou ainda que mais de 65% das crianças e adolescentes exercem algum tipo de atividade remunerada --sobretudo a venda de produtos de pequeno valor, como balas, chocolates, frutas, refrigerantes, sorvetes (39,4%); o cuidado de automóveis, a lavagem de veículos ou limpeza de vidros dos carros em semáforos (19,7%); a separação no lixo de material reciclável (16,6%) e a atividade de engraxate (4,1%). Conforme o Conanda, os dados demonstram que as crianças e adolescentes em situação de rua, “na sua maioria, trabalham para sobreviver”.
Outros 29,5% dos entrevistados costumam pedir dinheiro ou alimentos para sobrevivência.

Quase 24 mil crianças e adolescentes estão em situação de rua

Pesquisa realizada pelo Conanda aponta que 23,2% delas dormem em locais público


Uma pesquisa realizada pelo Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) aponta que 23.973 crianças e adolescentes em situação de rua no País. Dessas, 59,1% dormem na casa de sua família e trabalham na rua; 23,2% dormem em locais de rua; 2,9% dormem temporariamente em instituições de acolhimento e 14,8% circulam entre esses espaços.
Segundo o estudo, a maior parte das crianças e dos adolescentes em situação de rua dorme em residências com suas respectivas famílias e, mesmo entre aqueles que pernoitam nas ruas, 60,5% mantém vínculos familiares. Relação que no caso de meninos e meninas que moram com suas famílias é melhor. Daqueles que costumam dormir na rua, 22,4% consideraram bom ou muito bom o relacionamento com seus pais.
O levantamento também mostra que 71,8% desses jovens são do sexo masculino. Entre os mais de 300 mil habitantes do País que foram entrevistados, quase metade das crianças e dos adolescentes em situação de rua (49,2%) se declarou parda ou morena e se declararam negros.
Entre os principais motivos declarados pelas crianças e adolescentes que dormem na rua para explicar a saída de casa se destacou a violência no ambiente doméstico, com cerca de 70%: brigas verbais com pais e irmãos (32,2%); violência física (30,6%); violência e abuso sexual (8,8%).

Pesquisa do CONANDA aborda crianças em situação de rua


Pesquisa censitária nacional identificou 23.973 crianças e adolescentes em situação de rua. Dessas, 59,1% dormem na casa de sua família (pais, parentes ou amigos) e trabalham na rua; 23,2% dormem em locais de rua (calçadas, viadutos, praças, rodoviárias, etc.), 2,9% dormem temporariamente em instituições de acolhimento e 14,8% circulam entre esses espaços.

O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente - CONANDA e a Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente - SNPDCA, por meio de parceria com o Instituto de Desenvolvimento Sustentável - IDEST, realizaram este levantamento com o objetivo de nortear o aprimoramento de políticas públicas e a construção da Política Nacional de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente e do Plano Decenal – em fase de elaboração.

A pesquisa foi realizada em 75 cidades do país, abrangendo capitais e municípios com mais de 300 mil habitantes.

Perfil desta população

Predominam nas ruas crianças e adolescentes do sexo masculino (71,8%).

A faixa etária predominante é entre 12 e 15 anos (45,13%).
Quase metade das crianças e dos adolescentes em situação de rua (49,2%) se declarou parda ou morena e se declararam negros 23,6%, totalizando 72,8%, proporção muito superior à observada no conjunto da população.

A pobreza é um dos principais fatores explicativos da existência de crianças e adolescentes em situação de rua.

Convivência familiar

A maior parte das crianças e dos adolescentes em situação de rua dorme em residências com suas respectivas famílias e, mesmo entre aqueles que pernoitam nas ruas, 60,5% mantém vínculos familiares.

Mais da metade das crianças e adolescentes em situação de rua (55,5%) avaliou como bom ou muito bom o relacionamento que mantêm com seus pais, ao passo que 21,8% considerou este relacionamento ruim ou péssimo. A relação com os pais é melhor, em maior proporção, no caso de meninos e meninas que moram com suas famílias, mas mesmo entre aqueles que costumam dormir na rua, 22,4% consideraram bom ou muito bom o relacionamento com seus pais.

As crianças e os adolescentes que dormem na casa de suas famílias apresentaram melhores condições de vida, alimentação, escolaridade e saúde. Isto demonstra a importância da convivência familiar e comunitária para a proteção de crianças e adolescentes e a necessidade de políticas públicas que apóiem as famílias em sua função de cuidado e proteção de seus filhos e filhas.

Privação dos direitos fundamentais

Embora avanços tenham sido conquistados nos quase 21 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), direitos fundamentais como alimentação, saúde, educação e higiene pessoal ainda não foram efetivados para o público entrevistado.

Entre os principais motivos declarados pelas crianças e adolescentes que dormem na rua para explicar a saída de casa se destacou a violência no ambiente doméstico, com cerca de 70%: brigas verbais com pais e irmãos (32,2%); violência física (30,6%); violência e abuso sexual (8,8%). Isso mostra a importância de investimentos em ações de prevenção, divulgação e sensibilização para a garantia dos direitos da criança e do adolescente sem violência.

Não se alimentam todos os dias 13,8% do universo total das crianças e dos adolescentes em situação de rua, sendo que esta situação alcança 28,4% no grupo de crianças e adolescentes que dormem na rua, demonstrando a gravidade das violações relativas ao direito à alimentação.

Embora a maior parte do público entrevistado esteja em idade escolar, não estudam atualmente 38,9% dos que têm entre 6 a 11 anos e 59,4% dos que têm entre 12 e 17 anos. A privação a este direito resulta em prejuízo individual e social.

Mais de 65% das crianças e adolescentes exercem algum tipo de atividade remunerada. Entre as mais recorrentes destacaram-se a venda de produtos de pequeno valor - balas, chocolates, frutas, refrigerantes, sorvetes - (39,4%); o cuidado de automóveis como “flanelinha”, a lavagem de veículos ou limpeza de vidros dos carros em semáforos (19,7%); a separação no lixo de material reciclável (16,6%); e a atividade de engraxate (4,1%). Esses dados demonstram que as crianças e adolescentes em situação de rua, na sua maioria, trabalham para sobreviver.

Aproximadamente um terço (29,5%) das crianças e adolescentes costumam pedir dinheiro ou alimentos para sobrevivência.

Sistema de Garantia de Direitos

Uma das razões que colocam o Brasil na vanguarda pela promoção, garantia e defesa dos direitos infanto-juvenis é o fato de a Constituição Federal de 1988 e o Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990 atribuírem a responsabilidade pelo desenvolvimento saudável de meninos e meninas ao Estado, à sociedade e à família.

No entanto, ainda se fazem necessárias políticas públicas que contemplem este público nas suas demandas específicas e uma mudança de cultura da sociedade como um todo que conceba crianças e adolescente como sujeitos de direitos. Os dados da pesquisa indicaram a existência de preconceitos e discriminações em relação a crianças e adolescentes na rua.

De acordo com os resultados, 36,8% das crianças e adolescentes entrevistados já foram impedidos de entrar em algum estabelecimento comercial; 31,3% de entrar em transporte coletivo; 27,4% de entrar em bancos; 20,1% de entrar em algum órgão público; 12,9% de receber atendimento na rede de saúde; e 6,5% já foram impedidos de emitir documentos. Ao todo, as situações descritas afetaram metade (50%) dos entrevistados.

Continuidade

Com a pesquisa concluída, inicia-se agora um processo de discussão sobre o significado dos dados coletados e dos desafios a serem enfrentados. Serão realizados cinco seminários nas regiões do país nos meses de julho a novembro.

Parte dos beneficiados pelo Bolsa-Família pede esmola nas ruas
Um quarto dos meninos e meninas que vivem nas ruas do Brasil recebem dinheiro do Bolsa-Família por meio de seus pais ou responsáveis. Eles representam, mais precisamente, 26% das 23.973 crianças e adolescentes que perambulam por semáforos, esquinas, praças e pontes nas médias e grandes cidades do país. Os dados, levantados por estudo financiado pela Secretaria de Direitos Humanos, ligada à Presidência da República, colocam em xeque justamente um dos princípios do maior programa de transferência de renda do governo federal – exigir a frequência escolar dos contemplados, bem como o acompanhamento da caderneta de saúde. Tais aspectos, sempre invocados quando surge a acusação recorrente de que o Bolsa-Família tem um caráter meramente assistencialista, ficam extremamente comprometidos quando se trata de uma população tão vulnerável socialmente.

O estudo, intitulado 1º Censo Nacional de Crianças e Adolescentes em Situação de Rua 2010, aponta ainda que a proporção de contemplados com o programa do governo federal pode ser ainda maior, já que 27,4% dos entrevistados disseram não saber ou não se lembrar se a família recebe algum benefício. Para a vice-presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), Miriam Maria José dos Santos, o dado causou surpresa. “A gente tende a pensar que todo o problema se resolve com renda, mas o que vemos é a necessidade de outras políticas sociais”, diz. Segundo Miriam, o Estado precisa fiscalizar a frequência escolar dessas crianças, mas também envolver os educadores e toda a sociedade no combate ao desafio da mendicância, do trabalho infantil e de outras formas de exploração. A reportagem solicitou entrevista com algum representante da Secretaria de Direitos Humanos, mas não teve retorno.

Juiz da Vara da Infância e Juventude do Recife, Humberto Costa Junior vê um risco de o programa social do governo “morrer” caso não haja uma estruturação mais efetiva. “Considero o Bolsa-Família de suma importância, mas para dar o start, para tirar a pessoa do ponto morto. Agora, se o Estado continua ofertando o Bolsa-Família e a sociedade segue dando esmolas, isso vira um negócio sem fim”, destaca o magistrado. Ele defende a exigência da contrapartida, mas entende como extremamente difícil fiscalizar meninos que passam os dias nas ruas, tanto no que diz respeito à frequência escolar quanto à real aprendizagem obtida nas aulas. O Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) informou, via e-mail, que, desde 2008, iniciou uma estratégia de cadastramento de famílias em situação de rua, mas não soube precisar quantas já estão recebendo o benefício, em função de dificuldades técnicas.

Ao destacar que as exigências de frequência escolar e acompanhamento da saúde se aplicam também às famílias que vivem nas ruas, o MDS informou que o processo de fiscalização é “idêntico ao dos demais alunos”. E completou: “A diferença é que, nesse caso, quando a criança estiver com dificuldades de acessar a escola, a equipe de assistência social do município faz o atendimento no serviço de proteção básica ou especial”. Quanto à questão da saúde, não houve menção na nota encaminhada à reportagem. O MDS destacou, ainda, que, no último período de acompanhamento, referente aos meses de outubro e novembro de 2010, 297 beneficiários com problemas na escola tiveram registrado o motivo “Mendicância/Trajetória de rua”. Depois de uma notificação e três suspensões temporárias do benefício, o repasse é cancelado na quinta vez que um problema semelhante é constatado pela equipe de fiscalização.

Reajuste
Lançado em 2003, o Bolsa-Família passará, a partir do próximo mês, com o reajuste anunciado pela presidente Dilma Rousseff recentemente, a remunerar cada família em cerca de R$ 115, em média. São 12,9 milhões de famílias contempladas – aproximadamente 50 milhões de pessoas, com dados de fevereiro passado.

Beneficiária diz que prefere a rua

Brasília – Lúcia (nome fictício), de 23 anos, teme perder o direito ao Bolsa-Família que ela recebe em função dos três filhos – com idade entre 2 e 9 anos. Mas não deixa de pedir esmolas nas ruas de Brasília na companhia deles. Ela conta que até tentou arrumar emprego como doméstica, mas não deu certo. “Prefiro ficar aqui. Consigo uns R$ 40 por dia. Na época do último Natal, consegui até R$ 100”, diz Lúcia. Viúva há cerca de um ano, depois que o marido foi assassinado, ela vive com o que consegue na rua mais os R$ 130 pagos pelo governo federal.

Com a filha mais nova no colo pedindo esmolas na rua, ela diz que suas outras crianças estudam, mas não soube precisar em que série estão ou como está o desempenho nas aulas — o mais velho, de 9 anos, tem dificuldades de ler e escrever. Mesma situação é vivida por 20,3% das crianças e adolescentes em idade escolar que passam os dias nas ruas (ver quadro).

Miriam, do Conanda, reafirma que outras políticas são necessárias, não apenas presença na escola ou complemento de renda. Ela embasa sua preocupação com os motivos apresentados pela própria população estudada. Para 32,2%, a decisão de ir para as ruas se deu em função de brigas verbais em casa. Outros 30,6% apontaram a violência física como motivo, e 30,4%, problema de álcool e drogas com eles próprios ou com os pais. Enquanto estão na rua, a venda de produtos como balas e chocolates é praticada por 39% para garantir alguma renda. Em segundo lugar vem a esmola, apontada por 29%. Quase 20% lavam ou vigiam carros. E 8,1% praticam furtos e assaltos.
Do Correio Braziliense
Depois de 20 anos de vigência do Estatuto da Criança e do Adolescente, quando sua aplicação revelou facetas questionadas por diversos grupos sociais, o governo promoveu o primeiro levantamento sobre menores de idade encontrados em situações de risco. O censo da criança de rua irá proporcionar a definição de projetos públicos que atenuem as distorções identificadas, entre elas, a doação de ajuda em dinheiro por parte do público.

O censo, de âmbito nacional, foi encomendado pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República ao Instituto de Desenvolvimento Sustentável (Idesp). Os dados levantados permitiram traçar o perfil de crianças e adolescentes que dormem e trabalham nas ruas do País. A amostra foi obtida em pesquisas de campo promovidas em 75 cidades brasileiras com mais de 300 mil habitantes, identificando 23.973 menores carentes, oriundos de lares em conflito.

Com os subsídios obtidos, o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) promoverá, tempestivamente, cinco grandes encontros regionais para divulgar os resultados e estimular a continuidade desse trabalho cada vez mais imprescindível ao planejamento governamental. O perfil encontrado revela as causas motivadoras da fuga da moradia da família pelas ruas. Mesmo assim, 59% voltam para dormir na casa dos pais, parentes ou de amigos.

A rua é vista por esses menores em situação de risco como local para ganhar dinheiro, seja pela via de esmolas, seja por meio da venda de produtos ocasionais, especialmente nos sinais de trânsito. A questão maior, nesse item, se volta para o estímulo proporcionado pela espórtula para o retorno à via pública no dia seguinte. Com o tempo, o hábito leva a criança a abandonar a família, a escola e seu grupo de convivência.

Nos lares em conflito, há até mesmo estímulo dos pais para que os menores permaneçam nas ruas, como saída para obter meios de sobrevivência material. Como 71,8% dos atuantes no espaço urbano são do sexo masculino, a renda conseguida é vista, em casa, como um complemento salarial. Entretanto, do recolhimento da esmola para a aquisição e o consumo do crack o caminho é bem curto.

Há, também, menores que não retornam para dormir com a família, abrigando-se em locais de ruas (23%), em instituições (3%), enquanto 14,8% não têm destino noturno. Saem de casa os menores incomodados com as brigas verbais com os pais, os atritos domésticos, o alcoolismo, o uso de drogas, a violência sexual e a busca de liberdade.

A característica do contingente infantil disperso pelas áreas urbanas aparece indiretamente nesse perfil nacional: o baixo índice de escolaridade. A pesquisa encontrou apenas 6,7% dos menores ouvidos como tendo concluído o ensino fundamental e 4,1% portando o 2º grau incompleto.

A escola de tempo integral poderia amenizar essa realidade injusta. Ela pode oferecer a aprendizagem regular, a prática de esportes, o monitoramento das tarefas escolares e a convivência em ambiente saudável. Enquanto essa etapa não for conquistada, os menores permanecerão nas ruas.


Nenhum comentário:

Postar um comentário