“DESCULPE EU PEDIR PARA ACABAR COM O INFERNO...”
Reginaldo José da Silva
O município de Milagres, no sertão do Ceará, assim como os demais municípios do semiárido nordestino, é uma das vítimas da maior seca dos últimos quarenta anos. Estava há um ano e três meses sofrendo com a falta de chuvas. Na madrugada da última sexta-feira, 05 de abril, choveu. Mas, o que deveria ser um momento de festa e celebração, virou uma catástrofe. A chuva foi forte demais, fez transbordar açudes, inundou ruas, derrubou casas e matou um jovem. Recebi esta notícia de uma educadora social que trabalha numa ONG que assessoro na referida cidade. Lembrei-me imediatamente da Súplica Cearense de Waldeck Artur de Macedo, imortalizada na voz de Luiz Gonzaga:
Oh! Deus, perdoe este pobre coitado
Que de joelhos rezou um bocado
Pedindo pra chuva cair sem parar
Que de joelhos rezou um bocado
Pedindo pra chuva cair sem parar
Oh! Deus, será que o senhor se zangou
E só por isso o sol se arretirou
Fazendo cair toda a chuva que há
E só por isso o sol se arretirou
Fazendo cair toda a chuva que há
Senhor, eu pedi para o sol se esconder um tiquinho
Pedi pra chover, mas chover de mansinho
Pra ver se nascia uma planta no chão
Pedi pra chover, mas chover de mansinho
Pra ver se nascia uma planta no chão
Oh! Deus, se eu não rezei direito o Senhor me perdoe,
Eu acho que a culpa foi
Desse pobre que nem sabe fazer oração
Eu acho que a culpa foi
Desse pobre que nem sabe fazer oração
Meu Deus, perdoe eu encher os meus olhos de água
E ter-lhe pedido cheinho de mágoa
Pro sol inclemente se arretirar
E ter-lhe pedido cheinho de mágoa
Pro sol inclemente se arretirar
Desculpe eu pedir a toda hora pra chegar o inverno
Desculpe eu pedir para acabar com o inferno
Que sempre queimou o meu Ceará
Desculpe eu pedir para acabar com o inferno
Que sempre queimou o meu Ceará
Mas, sabemos muito bem que a culpa, tanto pela catástrofe da seca quanto pela catástrofe da chuva, não é de Deus nem do pobre. É de quem deveria estar trabalhando pelo bem comum, mas que decide se preocupar unicamente com as suas posições privilegiadas, seus cargos políticos, suas riquezas. Dos que, apegados a esta preocupação, não sentem nenhuma dor em destruir o meio ambiente em nome dos seus lucros financeiros. Dos que, preocupados com os seus bolsos, não dão a mínima para os que vivem nas periferias e que são vítimas diretas da seca e das chuvas.
Para os pobres, a seca e a chuva forte que castigaram Milagres foram catástrofes. Para os “nobres” senhores da política e da riqueza, representam excelentes oportunidades para exercer o clientelismo, o assistencialismo e a manutenção dos pobres no regime de dependência e escravidão. Mas, escravos também se rebelam. Que venha, então, a rebelião.